FRENTE E VERSO DO BORDADO EXISTENCIAL
Pr. Raul Marques
Quase
nunca prestamos atenção na parte de trás de um bordado. À primeira vista toda
tela é impecável! Invariavelmente, somos tentados a concluir que todo livro que
traz uma boa capa é um excelente livro... Até declaramos poética e
equivocadamente que “aquilo que os olhos não vêm, o coração não sente...”.
Lembro-me, perfeitamente, que em anos já distantes, vi muitas vezes mulheres
esmeradas cuidando de bordados elaborados em um tecido esticado à base de duas
argolas de madeira, com agulha e linhas de diversas cores, num entra e sai
repetitivo que findava por trazer à vista belíssimas decorações e desenhos os
mais variados e profundamente complexos! É tudo mais ou menos semelhante a um
edifício concluído e irretocavelmente bem acabado, que não deixa à mostra vigas
com excesso de cimento, pontas de ferro, arames, pedaços de gesso, fios e
tubulações tão feias, porém, tão calculadamente postos...Ao recordar-me
daqueles bordados, lembrei-me de pronto, que eles sempre tinham o avesso muito
enfeado por um emaranhado de linhas que não mostravam quase nenhuma conexão e
muito menos beleza... O verso do bordado era, por assim dizer, desprezível!
Tinha razão, portanto, o filósofo Platão ao afirmar que nada do que vemos é
real, apenas a sombra ou a aparência retratada do modo ideal.
Há um adágio popular que afirma: “Nem tudo o que reluz é ouro!”. Quem jamais
ousou afirmar, por exemplo, que a Mona Lisa sorri de satisfação ou timidez?
Qualquer conclusão é meramente especulativa e pessoal. Por trás daquela
expressão há um enigmático sentimento; da modelo ou do artista...
Há tanta gente que se parece com este protótipo! Muitos de nós têm tentado
viver para vender uma imagem instigante de si mesmos quando, na verdade, o
esforço maior é o de esconder o emaranhado de linhas desconexas do bordado
existencial! A policromia dos carretéis é gasta na tentativa de melhorar a
avaliação externa do bordado do caráter; a agulha que atravessa o tecido da
personalidade não consegue esconder os nós e pedaços de linha que interrompem a
tessitura do bordado...
Na Bíblia, pela boca de Jesus, encontramos uma similaridade deste quadro: “Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos
sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente
estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia” Mateus 23:27. Nunca
devemos avaliar as pessoas e as situações, simplesmente pelas partes
exteriores, senão correremos sempre o risco de deixar de ver o que está por
dentro ou por trás... Tem misericórdia de nós, Senhor, e cuida do bordado da
nossa existência!
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