sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

 O MAIOR EXEMPLO DE HUMILDADE

Pr. Raul Marques


 
“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo” Filipenses 2:3

 

D

esde sempre o homem tornou-se “o lobo do homem”, como disse o filósofo inglês Thomas Hobbes. É fácil concordar com ele, sobretudo, após a deliberada decisão do homem em deixar-se influenciar, como podemos perceber em Adão e sua queda na narrativa bíblica, pela tentativa de sobrepujar tudo e todos, inclusive Deus. Não fomos feitos assim; nos tornamos assim!

Vivemos num mundo do “faz-de-contas”: o fingimento contagiou o coração humano de tal modo que é quase impossível encontrar relações sinceras; amizades desinteressadas; parcerias e companheirismos à base da transparência e da mais legítima honestidade! Tudo hoje tem que ser gravado, filmado, fotografado, afinal, nada mais deve ser desperdiçado como prova de uns contra outros. Foi-se o tempo em que a palavra tinha valor! Humildade hoje é sinônimo de fraqueza e de falta de destreza! Os cônjuges se traem, os amigos se traem, os familiares se traem... O isolacionismo dos seres humanos é a tônica do momento. Não obstante, você já não é mais exatamente como é; você vende a sua imagem, a sua postura e comportamento de acordo com as exigências do mercado. Para isto estão estabelecidas as mídias com os seus filtros e engodos. O mundo está na UTI da sobrevivência fútil!

Ainda há tempo para consertar, caso queiramos! O exemplo vem de uma região paupérrima, de uma cidadela sem significação política, sem destaques sociais, sem recursos financeiros, porém, com raízes morais e éticas sem contestações lógicas. Vem do mundo oriental mais civilizado e ao mesmo tempo mais odiado e perseguido da face da terra! Vem da cidade de Belém, da região da Judeia, de uma família simples e cheia de valores que, com o tempo se perderam dos seus descendentes, mas que precisam ser resgatados hoje, para o bem de todos e felicidade geral da humanidade.

Nunca precisamos tanto das qualidades encontradas em um único modelo-padrão de pessoa: Jesus Cristo, o Filho do Homem; o Emanuel; o Verbo de Deus que veio nascer entre nós! Ele, sim, viveu como pregou e pregou exclusivamente o modo como viveu. Ele é a fonte inesgotável da razão, da justiça, da moral, da ética, da sensibilidade, da paixão pela vida e do amor aos seus semelhantes!

Das inúmeras passagens bíblicas registradas para o nosso ensino e, atemporais quanto à sua essência e virtudes, uma em particular foi traduzida pelo apóstolo Paulo quando escreveu a Epístola aos Filipenses. No capítulo 2 ele faz uma narrativa inigualável acerca das qualidades de Jesus, impossível de não ser crida como verdadeira inspiração divina para o conserto humano! Diferentemente do que vemos e ouvimos hoje em dia sobre a soberba, o caráter e todo o conjunto de desestrutura da moral humana, Jesus é descrito como o nosso único modelo para retorno às raízes da decência e da correção. Assim, portanto, nos orienta Paulo:

 

“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens” Filipenses 2:3-7.

 

Ele conclama que tenhamos as mesmas atitudes de Jesus, pois, tendo tudo para sobrepujar quem quer que fosse, não considerou esta prerrogativa como importante para usá-la contra os seus pares, ao contrário disto, tomou a forma mais humilde possível para encorajar-nos a seguir tal exemplo. Por causa desta atitude, embora tenha granjeado a antipatia e aversão de tantos, foi fiel às qualificações do Pai, fiel ao Seu plano restaurador e, por fim, devolveu-nos a condição de reconciliação com Deus, fato tristemente esquecido até então, mas agora restabelecido pelo poder da verdadeira humildade.

Em tempos tão cruéis e aflitivos na convivência entre os homens, não pode haver imperativo maior e mais assertivo do que bebermos, em Paulo, daquilo que ele sorveu de Cristo. Ele, portanto, com a mais legítima propriedade de quem, uma vez convertido de suas más condutas, pode afirmar: “Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo” 1 Coríntios 11:1. A humildade nunca deixará de ser útil e oportuna, corretiva e curadora. Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós!

 

 

   

 

 

sábado, 13 de novembro de 2021

 O PODER INEXPLICÁVEL DA FÉ


Pr. Raul Marques


Todos os dias encontramos pessoas cheias de problemas. Umas, lutando com todas as suas forças; outras, porém, já entregando os pontos; ou, como diriam os adeptos do futebol: “pendurando as chuteiras”. A toda hora é possível ver alguém com cara de vencido; com aspecto de quem acabou de ver fantasmas. Esse é o drama do homem. Ou, como diria Belchior: “a divina comédia humana, onde nada é eterno”. Menos mal é saber que esse mal pode não ser eterno; é uma questão de ponto de vista, ou melhor, é uma questão de visão eminentemente espiritual.
Que todos sofrem, é certo, senão Jesus não teria explicitado ao afirmar: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo!” (João 16.33). Não obstante todo esse dilema humano, toda essa paranoia de sofrimento, tribulação, transgressão, pecado e morte como consequência, temos uma porta aberta para saída de qualquer dessas situações limítrofes: a fé! Quero levá-lo a pensar comigo numa das maiores esperanças que o Senhor Jesus veio trazer ao drama do homem. Certa vez, em meio a uma situação dramática e de comoção, Ele afirmou: “Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá!”. Não pode haver maior esperança do que essa! A morte é a cessação das oportunidades; mas, para o homem, não para Deus. Com base nessa afirmação de Jesus quero levá-lo a perceber pelos olhos da fé as soluções para as suas agruras e inquietações. Quero fazê-lo entender que nem tudo está perdido; que “para aquele que está na companhia dos vivos há esperança” (Eclesiastes 9.4), e que se houver verdadeiramente fé genuína o milagre ocorrerá, pois o próprio Jesus empenhou a sua palavra afirmando: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque, todo aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate se abre” (Mateus 7.7-8).
Ora, se Jesus afirma que aquele que nele crê ainda que esteja morto viverá, então, por mais perto que alguém esteja do fracasso ou do fundo do poço, não deve entregar os pontos... Deve, isto sim, clamar ao Deus do impossível, do mesmo modo como fervorosamente fez o cego Bartimeu: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”, e assim, agindo unicamente movido pela fé inabalável, receba de Deus o socorro bem presente na hora da angústia. Muita gente está vencendo a incredulidade abraçando o Evangelho de Jesus Cristo, pois, vive na certeza de que “ainda que esteja morto, viverá!”. Os resultados da fé às vezes não podem ser explicados, mas, todos eles podem ser sentidos. Que Deus tenha misericórdia de todos nós!

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O AMOR JAMAIS ACABA...                    

MAS ARREFECE!



Pr. Raul Marques


A Bíblia nos ensina que “há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3.1). Muitas vezes nos espantamos com a ocasião de certos propósitos, mas afinal, temos que admiti-los, interpretá-los e, finalmente, superá-los. É o caso, por exemplo, do desamor que grassa neste mundo e atinge todas as camadas sociais; todas as famílias e todas as Instituições. A igreja está entre elas.
Quando acompanhado dos seus discípulos, Jesus lhes disse: “E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará." (Mt 24:9-12). O apóstolo Paulo, por sua vez, ensina-nos assim em I Coríntios 13: “O amor jamais acaba”. Daí então depreendemos que não há nada de errado entre estes ensinos senão, porém, que eles se completam e se explicam: o amor jamais acaba... mas ele esfria... arrefece...
Estamos vivendo os tempos preditos pelo Senhor Jesus em que o amor de muitos esfriaria. Esse vírus é profundamente contagioso e a sua proliferação é alarmante, pior que qualquer doença que o homem tenha conhecimento. Os que estão infectados por ele começam a desenvolver um inquietante desânimo, seguido de uma avassaladora apatia; são tomados por um completo desinteresse por quase tudo aquilo que mais gostavam de fazer; começam a dar sinais quase irreversíveis de indiferença e decepção com a fé, com a vida e com as pessoas.
Quando um amor deixa de ser correspondido, logo começa o processo de esfriamento. E tudo isso ocorre por “se multiplicar a iniqüidade”: esquecemos os grandes amigos; os alvos mais importantes da nossa vida não são mais os que dizem respeito aos valores da fé e da família; torna-se mais importante ter sucesso na vida pessoal que relevância comunitária; a relativização de tudo passa a ser o processo mais imperativo e a felicidade torna-se uma mera utopia valendo a pena tão somente a busca de satisfação e prazer momentâneos, ainda que fugazes.
A nossa humanidade, tão intimamente ligada ao pecado, torna-se cada vez mais receptiva ao desamor e tragicamente seduzida pela indiferença que não nos deixa perceber que somos nós os produtores da violência, da corrupção, da degradação social, da coisificação da família e do descarte de Deus. Embora o amor esteja esfriando a passos tão largos entre nós, resta-nos a esperança de acreditar que o mesmo Espírito que levou Jesus a profetizar este fato, inspirou o apóstolo Paulo a afirmar que o verdadeiro amor jamais vai acabar: havendo profecias, passarão; havendo filosofias, acabarão; havendo denominações, desaparecerão; havendo Instituições, ruirão; havendo hipocrisias, se desfarão; havendo falsos ideais, serão destruídos... Espero que depois de toda essa nevasca que glacialmente nos tem envolvido, venha sobre nós um vulcânico sopro do Espírito, salvando-nos desta geração perversa através de um genuíno avivamento, movendo-nos outra vez na direção de Deus. Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós!

sábado, 25 de setembro de 2021

 A NOSSA LIBERDADE CUSTOU


SANGUE...

Pr. Raul Marques

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Jesus Cristo deu-nos os maiores exemplos de comportamento, postura e ética sociais e espirituais! O maior desejo dEle: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” não exclui, em absoluto, o cuidado esmerado com as nossas más companhias... “Não vos enganeis! As más companhias corrompem os bons costumes” I Cor. 15.33, ensinou-nos o apóstolo Paulo.

Os novos tempos são muito mais complexos, embora sejamos os mesmos desde o Éden após a queda pelo pecado... Nem todos os que caminham com você estão de acordo com você... Nem todos os que lhe abraçam o fazem com o coração! Tudo é muito semelhante àquilo que nos advertiu Jesus: …Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos dirão a mim naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profetizado em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos milagres?’ Mat. 7.20-22. Pois bem, está mais do que evidente que nem todos os que fazem um brinde com você na festa estarão ao seu lado na hora do infortúnio! Nem todo o que bate com tapinhas nas suas costas está disposto a sofrer consigo a sua dor... Nem sempre aqueles que rasgaram elogios sobre você em público o fizeram espontaneamente...

Chega de parecer o bobo da corte! Até mesmo Jesus Cristo precisou agir com mais firmeza ao expulsar enganadores que estavam ao redor de Si, para limpeza da Casa do Pai. É provável que tenhamos um coração de cordeiro, porém, jamais com sangue de barata!

A nossa liberdade foi comprada pelo sangue de Jesus Cristo! Ela é muitíssimo preciosa! Não podemos deixar que os outros ditem as regras da nossa conduta, isto é uma atividade exclusiva do Espírito Santo! Somos servos, somos santos, somos crentes, mas jamais capachos de ninguém! Devemos usar bem a nossa liberdade em favor de tudo o que é bom, perfeito e agradável, pois, isto é sinônimo da vontade de Deus! Jesus Cristo lavou os pés dos discípulos sem perder a condição e autoridade de dizer-lhes através da censura à Pedro: “Para trás de mim, Satanás! Tu és uma pedra de tropeço, uma cilada para mim, pois tua atitude não reflete a Deus, mas, sim, os homens” Mat. 16.23.

Não permita que ninguém lhe use como escravo porque vê em você a condição de servo! Não deixe que abusem da solicitude de sua família quando bem poucos zelam por ela ou sabem das dores porque ela passa simplesmente por ser sua família! Lembre-se sempre: você já foi solto das garras do Diabo e comprado pelo sangue do Cordeiro! E mais: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão” Gál. 5:1.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

 Correndo atrás do vento...

Pr. Raul Marques



“Tudo é vaidade e correr atrás do vento” (Ec. 2.17)


P
ara Salomão, “correr atrás do vento”, significa tentar   desesperadamente abraçar, sem jamais conseguir, a coisa buscada. Ele retrata a caça, exclusivamente humana, das conquistas sem a dependência do Criador. Ele vai, finalmente, se dar conta deste drama abissal no seu filosófico e amargurado fim de discurso... Este é, de fato, um filme triste, porém verdadeiro e desafiador, da insensatez e da insensibilidade humanas, encarado por um rei, sábio, rico e destemido, que não vê saída para a sua finitude e bate de cara contra o muro de sua própria existência.
Ao longo da vida ele busca presentear-se e regalar-se de todas as formas possíveis, sempre prestando contas apenas a si mesmo, como se nada, jamais, tivesse fim. Ele se exalta, se estima, e se percebe autossuficiente, capaz de se encastelar e afrontar a dor e a amargura da existência, mas, não vai muito longe... Ele entende, ao fim de cada reflexão, que tudo vale a pena circunstancialmente. Ele percebe a efemeridade de sua vida antes do passo seguinte. O rei percebe, afinal, que o seu reinado não era bem aquilo que supunha; que o seu poder não era ilimitado; que os seus recursos não lhe bastariam sempre; que a sua saúde e virilidade não eram tão constantes; que os seus súditos não seriam fieis indeterminadamente; que a sua família não seria tão politicamente perfeita e nem socialmente tão aconselhável! O pensador se dá conta de que existe vida para além das palavras; que a beleza é relativa; que o vigor tem limite e é marcado pelo tempo; que as festas e regalos são paradoxais; que nunca ninguém estará sempre com a razão; que nada é de todo imprestável e que tudo, absolutamente “tudo é vaidade e correr atrás do vento”.
Que grande tolice é pensar que nos bastamos a nós mesmos! Quão ingênuos somos nós quando pensamos ser aquilo que, talvez, nunca venhamos a ser! Quão rotativa é a cadeira do carrossel da vida, na qual nos sentamos com a enganosa sensação de que, jamais, ocorrerão enguiços... O mesmo rei que pensara ter conquistado tanto, conclui que ele em nada difere daquele que nada possui; o fim de ambos é o mesmo... Ele trabalhou, desafiou, contendeu, construiu, ajuntou riquezas, ganhou fama, contudo, não pode conter a frustração de que, no máximo, deixaria tudo para quem lhe sucedesse, à quem a vida lhe poria em condições absolutamente iguais: finitude, dependência e suscetibilidade.
Nada hoje é diferente! Tudo continua igual desde sempre! Por que ajuntamos tanto? Por que consumimos tanto? Por que lutamos tanto para parecer diferentes dos outros bilhões de iguais? Qual o motivo pelo qual poucos têm tanto e muitos nada têm? Qual a necessidade de se possuir diversas moradias se muitos sequer conseguem um banco de praça para repousar em paz? Por que, afinal, famílias se regozijam em possuir a mais rica lápide dos cemitérios? Qual a diferença entre o câncer no fígado do bilionário e do mais pobre dos homens da terra? Que diferença haverá entre o caviar e o feijão com gorgulho, se ambos apodrecerão ao final do ciclo? Qual a diferença entre o analfabeto e aquele que encheu o mundo de livros com suas ideias e pensamentos, se ambos, inexoravelmente, perecerão no esquecimento? Finalmente, com um misto de tristeza e relaxamento, o pensador conclui: “Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem. Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mal” Eclesiastes 12:13,14. Pensemos nisto! Vamos parar de correr, ajuntar e tentar merecer o bem que eventualmente possamos receber na terra dos viventes, a despeito de todos os outros que vão ficando à margem do caminho por onde passamos, pois, afinal, “tudo é vaidade e correr atrás do vento!”.  Que Deus tenha misericórdia de todos nós!

sábado, 7 de agosto de 2021

 O PROFUNDO AMOR DE DEUS POR NÓS

Pr. Raul Marques

Jesus Chorou” João 11:35

U
m dos textos mais populares e mais expressivos da Bíblia se encontra no Evangelho de João, capítulo 3, e versículo 16: “Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna”.  É, certamente, o versículo mais citado na evangelização dos povos, e de onde já foram extraídos os mais relevantes sermões que a humanidade tenha ciência. Nele estão revelados os mais profundos sentimentos de Deus por nós: o Amor, a Graça e a Salvação. 
Jesus Cristo materializou este vaticínio de Deus de maneira extraordinariamente sobrenatural e definitiva. Ele revelou ao mundo em Si mesmo a realidade da fé, a inequívoca prova da existência de Deus, Criador e mantenedor de toda a existência, de todos os seres e de todas as coisas.
Há, no entanto, outro versículo bíblico, que nos revela a profundidade filosófica do seu conteúdo, com a expressão do sentimento do luto de Deus diante da finitude humana. Jesus sempre foi muito bem relacionado socialmente. Sempre teve apreço e afeição por todas as pessoas, inclusive por aquelas que o ignoravam ou até o desprezavam. No capítulo 11 do seu Evangelho, João faz o relato da morte de um homem que era um amigo muito próximo de Jesus, de quem Ele apreciava a companhia e a hospitalidade familiar. 
Ocorreu, portanto, a morte repentina deste amigo chamado Lázaro, quando Jesus fazia a sua peregrinação evangelística. Quando ficou sabendo do fato, Jesus não se deteve diante da morte e, no meio do caminho, cuidou de mais alguém que dele necessitava, até que chegou no velório do estimado amigo. Lá Ele encontrou um quadro aterrador: pranto, desolação, desesperança, solidão e desespero. Diante daquele infausto ocorrido, “Jesus chorou!”; Ele não conteve a emoção e desatou a chorar... A demonstração de Jesus com as lágrimas comoveu a multidão que se aglomerava nas proximidades da casa da família, e mais ainda, diante do túmulo onde fora posto o cadáver do seu amigo.
Nesta expressão aparentemente simples e natural de que “Jesus chorou”, está contida toda a significação do sentimento mais que humano da perda, do luto, da impotência do homem perante a realidade da morte; enfim, do mais concreto descontrole do homem sobre si mesmo. Quando Jesus chorou, Ele expressou a dor mais solitária e mais concreta da humanidade. Ele permitiu que todos vissem a total dependência que temos de Deus. Ele sofreu, não apenas pela concretude da morte física, mas, sobremaneira, pela excrescência do pecado que possibilitou a separação entre a criatura e o Seu Criador. Ele chorou por sentir a indescritível fragilidade humana; Ele lamentou o fato de que ali ninguém percebia quem Ele realmente era; não apenas o homem – Jesus -, mas, o próprio Deus Emmanuel, que tinha um propósito definido naquele lugar que serviria como o símbolo maior e mais significativo a possibilidade de não morrer para sempre. 
Todos ali entenderiam mais tarde o significado de Suas palavras, quando afirmou: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” João 11:25. Você conhece alguém, em toda a literatura mundial, que tenha registrado o Seu amor por cada um de nós com tanta lucidez e verdade? Você conhece alguém que tenha vinda até nós, não para levar consigo o que, por ventura, tivéssemos de bom, mas, para “levar sobre Si toda nossa iniqüidade?”. Jesus fez exatamente isto: “o castigo que nos trás a paz estava sobre Ele, e pelas Suas pisaduras fomos sarados!” Isaías 53.4-5.      

segunda-feira, 26 de julho de 2021

                                                   O BOM PASTOR...

Pr. Raul Marques
 “Eu Sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas e sou conhecido por elas...” João 10.14


N
ão há situação mais prazerosa e mais reconfortante do que ser reconhecido como quem você realmente é; nem mais, nem menos. É muito agradável conhecer pessoas e, igualmente bom, é dar-se a conhecer por elas. Eu penso que Jesus tinha isto em mente quando, enquanto humano, conheceu o universo dos humanos ao mesmo tempo em que se deu a conhecer por ele. Viu de perto as suas fraquezas e as suas virtudes ao mesmo tempo em que lhes mostrou suas dores mais profundas, a solidão, a angústia e até o seu limite: passa de mim este cálice...”.
Jesus ensinou que devemos amar as pessoas do início ao fim da nossa jornada, conforme demonstrou em João 13. Isto não é fácil e nem é simples, pois, requer abnegação, renúncia do ego, consideração pelas fraquezas do outro, e, sobretudo, um conhecimento maduro e compatível de si mesmo.
Lembro-me agora de um poema que escrevi quando tinha mais ou menos dezoito anos onde, tomado pelo sentimento da dureza da existência humana, expus: eu muitas vezes quero ser um bicho pra pelo menos ir viver em paz.... A humanidade é, ao mesmo tempo, linda e dramática; singela e complexa; necessária e deletéria! Somente agora, na idade madura, torna-se possível mensurar o que tantas vezes ouvi dos mais velhos quando em criança: É mais fácil criar galinhas que lidar com gente!”.
A responsabilidade pastoral muitas vezes se confunde com a incumbência paistoral – um neologismo agridoce... Quem se nega a disciplinar e repreender seu filho não o ama; quem o ama de fato não hesita em corrigi-lo Pv. 13.24. Ocorre que nem sempre é possível corrigir uma ovelha como a um filho... Há filhos dóceis e ovelhas indomáveis.
Quando o Senhor Jesus afirmou: Eu conheço as minhas ovelhas, Ele sabia perfeitamente do que estava falando – Tu formaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe Salmos 139.13. Quando, porém, disse: e sou por elas conhecido, estava evidenciando muito mais sobre a Sua capacidade de se deixar conhecer do que da sinceridade dos que poderiam tê-lo conhecido melhor e mais adequadamente. Porventura, não é esta uma descrição assemelhada entre as pessoas da igreja e o pastor? Este tem a obrigação de conhecer e tratar as feridas e as insanidades daquelas; aquelas, quase sempre, nunca sabem discernir quando ele padece ou carece da compreensão, da sensatez e do abraço...
Realmente, jamais poderia ter sido formado do pó aquele que levaria sobre si os pecados do mundo... Era preciso ter nascido por obra do Espírito Santo! O coração pastoral tem mais de materno do que de si mesmo. Ser pastor não é uma escolha nossa, pessoal, antes pelo contrário, é obra exclusiva de Deus: é chamado, do qual não se pode arredar e discrepar. Ser pastor é viver uma luta diária e renhida contra a sua natureza do άνθρωπος (homem).
Dá-nos forças, Senhor, para que sejamos semelhança do teu Filho, Jesus Cristo, e não nos cansarmos de amar até o fim; para que saibamos conhecer as ovelhas que nos tem confiado e para que sejamos por elas conhecidos. Dá-nos sempre a mesma força da humildade e mansidão dadas ao Teu Santo Filho que, imerso no mais agudo da dor da traição e da incompreensão, clamou: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem!. Dá-nos a alegria e a dignidade de nos sentirmos como Jesus ao ouvir de Ti: Este é o meu Filho muito amado, em quem eu tenho prazer!. Livra-nos do desejo de vingança, pois ela a Ti pertence. Livra-nos de devolver as pedras lançadas. Dá-nos o gozo permanente de simplesmente saber introjetar a Tua promessa: Bem-aventurados sois vós quando vos insultarem, e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos sobremaneira, pois é esplêndida a vossa recompensa nos céus; porque assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós Mateus 5.11-12.     

sexta-feira, 9 de julho de 2021

 EU TENHO MEDO...

Pr. Raul Marques

 


              Quando criança eu tinha muitos medos! Medo das muitas águas; do escuro intenso; das portas fechadas com trancas; do “lobisomem”; do “velho do saco”; da “bruxa malvada”; enfim... Na medida em que fui crescendo outros medos foram sendo acrescentados: medo de matemática; medo das confusões e das multidões; medo de ser chamado ao quadro negro, etc. A grande maioria deles foi superada pela razão e pela maturidade; outros, no entanto...

           O medo é um sentimento profundamente complexo como a nossa própria existência! Ele é bom, enquanto sinal de alerta, e mal, se se tornar patológico. Ao longo da nossa vida outros medos vão se associando à caminhada e vão nos mostrando mais nítidas certas obscuridades... Eles nos ajudam na nossa proteção pessoal, ao mesmo tempo em que podem proteger as outras pessoas de nós...

         O medo não pode ser considerado um ato de covardia quando servir de motivação para o exílio contra as forças da impiedade! Ele pode, perfeitamente, se constituir no canal mais legítimo a nos levar aos “getsêmanis” em busca de paz.

           Eu tenho medo do “homem”! Não é sem motivo que a Bíblia vaticina: “Maldito o homem que confia no homem, que faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jr 17. 5). Eu tenho medo dos “falsos irmãos”, de quem o apóstolo Paulo fez menção (II Cor 11.26). O apóstolo teve tanto receio deste aspecto que, angustiado, foi além: “agora vos escrevo para que não vos associeis com qualquer pessoa que, afirmando-se irmão, for imoral ou ganancioso, idólatra ou caluniador, embriagado ou estelionatário. Com pessoas assim não deveis, sequer, sentar-se para uma refeição” (I Coríntios 5.11).

          Tenho medo do que Jesus profetizou sobre esses fatos difíceis: “Naquele tempo muitos ficarão escandalizados, trairão e odiarão uns aos outros, e numerosos falsos profetas surgirão e enganarão a muitos. Devido ao aumento da maldade, o amor de muitos esfriará” Mateus 24.10-12. Tenho medo que as decepções resultem em apatia ou, ainda pior, em antipatia às atividades do exercício da fraternidade legítima, sobretudo, quando ouço a voz do Mestre a ressoar: “Quando, porém, vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” Lucas 18:8b.

         Tenho encontrado tanta gente ferida, enganada, desiludida e frágil com as deformadas relações cristãs, que falta-me o fôlego... Conheço líderes abandonados do mesmo modo como conheço ovelhas nanicas e desnutridas clamando por amor e acolhimento. Tenho medo do tempo em que vivo. Por isto, Senhor, tem misericórdia de todos nós! Tenho saudades dos medos de quando criança... Já não sinto aquele medo ingênuo do escuro da noite; tenho medo, muito medo, das densas trevas da mente e coração humanos... 

 

segunda-feira, 14 de junho de 2021

 FORTALEZA E FRAGILIDADE

Pr. Raul Marques
  

 

Gosto muito de ler biografias de pessoas influentes, que deixaram legados importantes nas mais diversas áreas da vida. Aprendo muito. Sou um eterno aprendiz; isto me faz reconhecer o meu tamanho, diversidade e carências. É muito comum, apesar de não achar normal, que muita gente fique intrigada com o fato de ouvir dizer que o pastor fulano de tal está de férias... A ideia que se tem de um pastor de férias está diretamente ligada ao ócio, nunca ao descanso, à reposição de forças, a releitura de si mesmo, a também ouvir, enfim, parece que ele abandonou a Deus por uns dias... Ninguém indaga se ele está doente ou mesmo se está precisando que alguém lhe ouça; afinal, ele é pastor pastor é o mais forte do rebanho... Santa ingenuidade!
Li recentemente numa rede social esta expressão atribuída a Spurgeon: "Cristãos temporários não são cristãos. Quem quer tirar férias desse serviço divino nunca entrou nele". Lembrei-me, então, da sua biografia que atesta o seguinte: “Por diversas ocasiões Spurgeon teve que se ausentar de seu púlpito por recomendação médica. Chegou a passar alguns períodos de férias na Europa, e depois de 1876, muitas vezes, sempre no fim do ano, se hospedava em Menton, Sul da França, pelo clima mais quente que na Inglaterra, por recomendação médica. Depois de 1887, foram cada vez mais constantes essas viagens, chegando a passar meses em retiro”. Caso a primeira expressão seja verdadeira, onde estaria a coerência deste “grande” conhecedor das Escrituras e, por conseguinte, do seu ofício pastoral? A sensatez recomenda-nos reconhecer que ele, afinal, também era de carne e osso, forte e frágil, santo e pecador. A sua biografia revele que este santo homem de Deus também sofreu grandes ataques de depressãodecorrentes das próprias lutas pastorais como, por exemplo, “quando um culto realizado em Surrey Garden foi organizado para cerca de 10.000, e devido a um tumulto provocado por um falso alarme de incêndio, levou a morte de seis pessoas” (Biografia de Carlos H. Spurgeon, por Alfredo S. Rodríguez y García, Cuba, 1930). “John Piper nos ajuda a entender um pouco da jornada e do desgaste pastoral: A maioria dos nossos irmãos não faz ideia do preço que se paga por duas ou três mensagens semanais em termos de exaustão espiritual e intelectual. Sem contar o esgotamento causado pelos sofrimentos familiares, as decisões da igreja, os dilemas morais e teológicos imponderáveis. Eu, por exemplo, não sou um poço artesiano, Meu cântaro se esvazia mesmo quando dele nada se verte. Meus ânimos não se revigoram na correria. A carência de tempo para a leitura tranquila e reflexão, além da urgência do preparo do sermão, reprime minha alma e, logo, o espectro da morte espiritual se manifesta. Poucas coisas me assustam mais que o início da esterilidade proveniente das responsabilidades desmedidas que mal permitem a nutrição espiritual e a meditação. (Piper, Irmãos, nós não somos profissionais, p. 81-2)”. Já que começamos citando uma possível expressão de Spurgeon, que tal concluirmos com uma importante lição dele relativa ao cuidado com a vida e os limites das ações pastorais? Assim nos ensina ele: “Se um homem for de natureza alegre como um pássaro, dificilmente poderá manter-se assim ano após ano contra esse processo suicida. Fará do seu escritório uma prisão e de seus livros carcereiros de um presídio, enquanto do lado de fora da sua janela a natureza acena-lhe com a vida saudável e chama-o para a alegria. Aquele que esquece o zumbir das abelhas na urze, o arrulho dos pombos selvagens na floresta, o canto dos pássaros no arvoredo, o ondular do regato por entre o junco, e os lamentos do vento entre os pinheiros, não tem por que se espantar caso o seu coração olvide cantar e sua alma fique pesarosa. Passar um dia respirando o ar fresco das montanhas, ou fazer uma excursão de algumas horas na umbrosa tranquilidade das copadas faias, servirá para varrer as teias de aranha das cabeças cheias de vincos dos nossos fatigados ministros que já andam meio mortos. Uma tragada de ar marinho, ou uma firme caminhada contra o vento, não dará graça à alma, que é o que há de melhor, mas dará oxigênio ao corpo, coisa que vem em segundo lugar” (Spurgeon, Lições aos meus alunos 2, p. 239-240).
Em Marcos 6.30-32, Jesus Cristo nos deixa uma lição tremendamente importante sobre o tema aqui enfocado: “Os apóstolos voltaram e, reunindo-se com Jesus, contaram-lhe tudo quanto tinham feito e ensinado. Havia tanta gente indo e vindo que Jesus e seus apóstolos não tinham tempo sequer para comer. Então Jesus lhes disse: — Venham comigo. Vamos sozinhos encontrar um lugar tranquilo para descansar um pouco. E eles partiram de barco, sozinhos, para um lugar sossegado”. Ah, como é bom e humano admitirmos a nossa força e fraqueza!

quinta-feira, 27 de maio de 2021

 CORAGEM PRA RECOMEÇAR...

 

Pr. Raul Marques

Jó 14.7 “Porque há esperança para a árvore que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e o seu tronco morrer no pó, ao cheiro das águas brotará, e dará ramos como uma planta”.

Existem momentos na vida do homem que ele mais se assemelha a uma árvore, que tendo sido tão frondosa, sobrevive no seu último estágio, na condição de tronco que insiste em lutar pela vida fazendo brotar os seus renovos. Este é o momento em que se espera um milagre conforme a promessa de Deus: “se envelhecer na terra a raiz, e o seu tronco morrer no pó, ao cheiro das águas brotará, e dará ramos como uma planta”. São momentos em que necessitamos da água da vida, dos campos verdejantes, de pastos refrigerantes, de ventos calmos, de brisas suaves... Nesses instantes precisamos tão somente de uma atitude: bom ânimo – “Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares” Josué 1.9. 

Os desertos pessoais vão se formando quase que imperceptíveis, e de repente tomam dimensão e evidência gigantescas na nossa vida. Formam-se duas de tristezas, surgem nuvens de gafanhotos inquietantes, não há chuva, não há flores e jardins, só peçonha e o ardor causticante de um sol que nos cega a visão de dia, desaparecendo no frio assombroso de noites cada vez mais opacas e agourentas.

E quando tudo parece no fim, vem-nos a certeza de que “ao cheiro das águas, brotará”. E aquelas lágrimas que nos escorrem pelo rosto começam a se transformar num rio de águas vivas, e entram pela terra seca, chegando até a profundidade da raiz, e finalmente, num ato milagroso, começam a brotar os renovos... Mas, é preciso coragem pra recomeçar. 

É preciso não desistir de ser árvore que dá frutos. É preciso persistir para não apodrecer, pois há muitos fungos micorrízicos que aguardam a plenitude da nossa fraqueza... Finalmente a promessa se transforma em um milagre, porque o Senhor é bom e a sua misericórdia dura para sempre! "E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; e serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca faltam”. Isaías 58.11.

É preciso coragem pra recomeçar... Não ter medo do desconhecido, daquilo que ainda está porvir. É preciso “crer que Deus existe e que é galardoador daqueles que o buscam” Hebreus 11.6. É preciso nunca desistir dos sonhos, ainda que tenhamos que enfrentar muitos pesadelos. É preciso cantar a vida e celebrá-la intensamente. É preciso dar sentidos aos versos da canção que afirmam: “Se uma porta se fecha aqui, outras portas se abrem ali... Deus é quem cuida de mim!”. Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós.

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

 DE TODO O CORAÇÃO!

Pr. Raul Marques

Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de vós, diz o Senhor…” Jeremias 29.13-14

Esta semana eu vivi algumas das experiências mais incríveis da minha vida! Não que elas não houvessem ocorrido em outros tempos ou ocasiões, mas, sobretudo, porque a natureza dessas experiências transcende às nossas expectativas mais positivas. São situações limítrofes entre a necessidade e o desespero por soluções às mais turbulentas e terríveis que se possa encontrar. Como afirma o pregador em Eclesiastes 3, “há tempo para todo propósito debaixo do céu”, e naquela Quarta-feira Deus havia planejado o meu encontro com uma família em vias de separação. Confesso que o meu coração ardia quando me dirigi ao lar daquela família, pois havia um misto de fraqueza e força... Fraqueza, porque eu tenho consciência das minhas enormes limitações; força, porque sentia que quem me impelia era o Espírito de Deus. E lá fui eu, depois de um dia exaustivo de trabalho, buscando atender a mais um chamado do Senhor.

Ao penetrar no seio daquela família senti o peso do clima, da atmosfera aziaga, dos sinais evidentes do caos e da desordem dos sentimentos. Sentei-me, após os cumprimentos iniciais, e me ofereci para ouvir, tentar compreender e, pela ação do Senhor, sugerir ações que pudessem nos levar à reconstrução dos escombros.

Ouvi desabafos e acusações de pessoas profundamente feridas, machucadas pelas ações e pelas omissões; e vi lágrimas que disseram muito mais que palavras... Percebi o quanto abandonamos a Deus nas horas de maior desespero, porque esquecemos facilmente do seu amor incondicional e do seu perdão terapêutico.

Depois de ouvir a todos, sugeri que orássemos ao Senhor, e lembrei-lhes daquilo que Deus havia mostrado ao profeta Ezequiel – o vale de ossos secos (Ez 37) -, e orei invocando o poder que há no nome de Jesus, afirmando-lhes que, se cressem, toda aquela situação poderia ser mudada. Depois de tomar um café, sentindo ainda aquela mesma atmosfera indesejada, despedi-me de todos deixando-lhes a certeza de que o Senhor agiria com sua imensa Graça ainda naquela noite. E fui embora.

No dia seguinte, após ter chegado de mais um dia de trabalho, e prestes a sair para a Universidade, fui surpreendido com a visita do pai acompanhado do seu filho, para uma conversa sobre o dia anterior. Mais uma vez me coloquei na condição de ouvinte, mas agora ouvia o poder e a força do amor de um Deus verdadeiro, que não despreza os seus filhos; que não se regozija com a infelicidade; que não conhece causas perdidas; e que não desiste de prover as nossas necessidades. Ouvi com atenção aquele homem falar sobre a sua culpa, o seu pecado e a sua desordem emocional; lhe ouvi falar que Deus lhe havia tocado fundo ao coração e despertado nele o desejo de perdoar e se desculpar com todos na sua casa; que havia decidido naquela mesma noite por jamais voltar a tocar em bebidas outra vez; que estava disposto a tratar a sua vida e, sobretudo, a resgatar a felicidade de sua família. Ouvi relatos do seu filho, emocionado, confessando que também voltaria ao convívio fraterno na Igreja, ao ver a possibilidade de união familiar com Cristo.

Neste momento eu desabei em lágrimas. Senti a forte emoção do dever cumprido, e imediatamente me lembrei do profeta Jeremias: Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coraçãoSerei achado de vós, diz o Senhor…”. A Deus toda honra, glória e louvor. Amém!

 

sábado, 17 de abril de 2021

 ENTRE O PRAZER E O SACRIFÍCIO...

Pr. Raul Marques

 

                  A vida que Jesus Cristo viveu será sempre o nosso mais completo manual e fonte inesgotável de sabedoria, onde podemos encontrar respostas para as nossas angústias, anseios, prazeres e sacrifícios que valham a pena continuar neste mundo, ainda que, como “peregrinos e forasteiros”, conforme reconheceu o apóstolo Pedro.

                 Certa vez Jesus afirmou diante dos seus discípulos: “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” João 4.34. Alimentar-se é, além de uma necessidade, um prazer humano dos mais cultivados. É óbvio que o Mestre tinha fome e os seus discípulos estavam certos disso, porém, Jesus lhes fala sobre uma fome que não pode ser saciada com coisas perecíveis. Ele fala de um prazer muito particular: fazer a vontade de Deus e realizar a Sua obra. Este fato se sobrepunha a quaisquer outros que viesse a vivenciar. Não obstante, mesmo aquilo que nos dá prazer em realizar cansa e fatiga. Não é o cansaço de perder o apetite, mas a tenebrosa sensação de compreender a linha tênue entre o fim do prazer e o princípio do sacrifício. 

Tudo o que Jesus realizou estava recheado do prazer do cumprimento, entretanto, dentre tantos momentos singulares entre o prazer e o sacrifício, nenhum foi tão altamente tenso e questionador quanto aquele em que Ele desabafou a Sua inquietação perante Deus: “Jesus saiu, então, e foi, como de costume, para o monte das Oliveiras. E os discípulos seguiram também com Ele. Quando chegou ao local, disse-lhes: "Orai para que não entreis em tentação". Depois afastou-Se bruscamente deles até à distância de um tiro de pedra, aproximadamente, e, posto de joelhos, começou a orar dizendo: "Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice, não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua". Então vindo do Céu, apareceu-Lhe um anjo que O confortava. Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. Depois de ter orado, levantou-Se e foi ter com os discípulos encontrando-os a dormir devido à tristeza. Disse-lhes: "Porque dormis? “Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação” Lucas 22.39-46. Neste momento agudo da vida de Jesus “o vinho” não tinha o componente do prazer, posto que se revelara ali a face mais cruel do sofrimento sacrificial. O “vinho” tinha gosto de fel! A “obra” tinha o peso da humanidade inteira mergulhada no mais profundo tremedal de lama, no pecado.

Felizmente nós também temos os mesmos sentimentos do Mestre... Quantas vezes nos sentimos no limiar do prazer e do sacrifício? Querendo continuar fazendo a Sua vontade, comendo a Sua comida, nos vemos diante do amargor do vinho que é sempre servido nos cálices da amargura, da tristeza, do torpor e da indiferença? Ainda assim, com toda esta ambiguidade própria da nossa humanidade frágil, continuamos a sentir como o nosso Mestre, como Ele fez com os seus discípulos: “Antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai,havendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” João 13:1.