sábado, 17 de abril de 2021

 ENTRE O PRAZER E O SACRIFÍCIO...

Pr. Raul Marques

 

                  A vida que Jesus Cristo viveu será sempre o nosso mais completo manual e fonte inesgotável de sabedoria, onde podemos encontrar respostas para as nossas angústias, anseios, prazeres e sacrifícios que valham a pena continuar neste mundo, ainda que, como “peregrinos e forasteiros”, conforme reconheceu o apóstolo Pedro.

                 Certa vez Jesus afirmou diante dos seus discípulos: “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” João 4.34. Alimentar-se é, além de uma necessidade, um prazer humano dos mais cultivados. É óbvio que o Mestre tinha fome e os seus discípulos estavam certos disso, porém, Jesus lhes fala sobre uma fome que não pode ser saciada com coisas perecíveis. Ele fala de um prazer muito particular: fazer a vontade de Deus e realizar a Sua obra. Este fato se sobrepunha a quaisquer outros que viesse a vivenciar. Não obstante, mesmo aquilo que nos dá prazer em realizar cansa e fatiga. Não é o cansaço de perder o apetite, mas a tenebrosa sensação de compreender a linha tênue entre o fim do prazer e o princípio do sacrifício. 

Tudo o que Jesus realizou estava recheado do prazer do cumprimento, entretanto, dentre tantos momentos singulares entre o prazer e o sacrifício, nenhum foi tão altamente tenso e questionador quanto aquele em que Ele desabafou a Sua inquietação perante Deus: “Jesus saiu, então, e foi, como de costume, para o monte das Oliveiras. E os discípulos seguiram também com Ele. Quando chegou ao local, disse-lhes: "Orai para que não entreis em tentação". Depois afastou-Se bruscamente deles até à distância de um tiro de pedra, aproximadamente, e, posto de joelhos, começou a orar dizendo: "Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice, não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua". Então vindo do Céu, apareceu-Lhe um anjo que O confortava. Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. Depois de ter orado, levantou-Se e foi ter com os discípulos encontrando-os a dormir devido à tristeza. Disse-lhes: "Porque dormis? “Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação” Lucas 22.39-46. Neste momento agudo da vida de Jesus “o vinho” não tinha o componente do prazer, posto que se revelara ali a face mais cruel do sofrimento sacrificial. O “vinho” tinha gosto de fel! A “obra” tinha o peso da humanidade inteira mergulhada no mais profundo tremedal de lama, no pecado.

Felizmente nós também temos os mesmos sentimentos do Mestre... Quantas vezes nos sentimos no limiar do prazer e do sacrifício? Querendo continuar fazendo a Sua vontade, comendo a Sua comida, nos vemos diante do amargor do vinho que é sempre servido nos cálices da amargura, da tristeza, do torpor e da indiferença? Ainda assim, com toda esta ambiguidade própria da nossa humanidade frágil, continuamos a sentir como o nosso Mestre, como Ele fez com os seus discípulos: “Antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai,havendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” João 13:1.

 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

 


             Pr. Raul Marques


Eu vivi a vida me alimentando da música, da poesia, e das artes em geral. Os meus amigos na adolescência e juventude tinham a mesma avidez pelas expressões artísticas e, por isto mesmo, até hoje não me canso de aprender a cada dia com as mais diversas manifestações culturais: repente, cordel, folclore, música erudita ou popular, pintura, escultura, cinema, teatro, enfim, tudo o que faça emergir novas ideias, novos talentos, e seja capaz de conspirar para novas criações. Muitas vezes imaginamos que quanto mais difícil for a interpretação de uma obra, tanto mais rica e mais elaborada terá sido a sua mensagem. Certamente que não é bem assim. Nem sempre o mais sofisticado é o melhor; nem sempre o mais requintado tem o melhor conteúdo. Como as artes, assim são também as pessoas; muitas vezes as mais simples e com menos aparência, são as mais ricas e profundas ao transmitirem as suas mensagens. Apesar de saber que dá muito trabalho interpretar pessoas, não posso negar que sou profundamente fascinado pelo universo da compreensão dos sentimentos humanos.

Lembrei-me agora de uma canção de Roberto Carlos, que de tão singela e tão ingênua, estampa-nos uma mensagem ao mesmo tempo tão rica e adulta que é capaz de nos remeter a uma reflexão indispensável: “Mas, agora eu sei o que aconteceu: quem sabe menos das coisas, sabe muito mais que eu!”. Temos a falsa impressão de que o nosso academicismo nos eleva a patamares tão altos que nos esquecemos de pensar as coisas mais simples, as pessoas mais humildes, de frequentar os lugares mais toscos, de ler os livros menos lidos, ouvir as canções menos recomendadas, etc. Quando, no entanto, passamos a conviver com as coisas e as pessoas do mundo mais real, temos a grata surpresa de entender que somos aprendizes agora como sempre fomos. Nenhum saber é por si mesmo tão importante que não sejamos capazes de reconhecer que precisamos aprender sempre mais. Aprender, não para sobrepujar, mas, para compartilhar. Aprender para compreender que todos têm algo a ensinar e muito a aprender.

Agora eu sei porque Jesus Cristo, com tanta sabedoria, tanto poder, tanta eloquência e tanta visibilidade, vivia fascinado pelas multidões de pessoas mais simples, carentes, porém, mais verdadeiras. Agora eu sei a profundidade da riqueza dos seus ensinos articulados através do Sermão do Monte. Obrigado, Senhor, por me fazer entender tudo isto, pois, “agora eu sei: quem sabe menos das coisas, sabe muito mais que eu”.