COMO BEBER DESSA BEBIDA AMARGA?
Pr. Raul Marques
“Como beber dessa bebida
amarga, tragar a
dor, engolir a labuta... (?)”
Depois de mencionar um trecho da fala de Jesus nas Escrituras, Chico Buarque de Holanda faz esta instigante pergunta, levado por sua imersão numa experiência
de sofrimento plural, dele e do povo, na busca de uma solução para a inquietação
de sofrerem calados... Jesus Cristo é comparado nas Escrituras àquela ovelha que segue “muda para o matadouro”. Ele passou primeiro por esta
experiência de ter que beber dessa bebida amarga! Ele passou por este
sentimento angustiante de uma impotência quase absoluta diante das
circunstâncias.
Quantos de nós vivemos esta asfixia existencial? Quantos não estão, como
nós, mergulhados num tremedal de lama de uma sociedade injusta, corrupta e
imoral? Quantos têm vivido como zumbis, insones, numa existência mecânica e fora de controle? Quantos estão se
fazendo esta mesma pergunta: “Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, e engolir a labuta?”.
Por que “a Lei” pode ser tão rigorosamente aplicada para punição das
classes inferiorizadas e tão vergonhosamente submetida aos caprichos de
engenhosos artifícios jurídicos para aqueles que caçoam e ridicularizam a
sociedade, em favor daqueles que escandalosamente se encontram arrolados como
ladrões?
Como beber dessa bebida amarga? Como é possível à grande massa da
população viver com míseros reais, enquanto alguns poucos (pouquíssimos!) se cotizam com
milhões (?) para cerrarem as grades dos mais de “40 ladrões” à guisa escrupulosa de um “Ali Babá”? Como é possível querer animar o “circo” com foliões e torcedores num teatro armado para o grande banquete
político? Como é possível querer tapar o sol com uma peneira? Como é possível
esconder a nossa miséria e caos sociais à custa de portentosas campanhas
publicitárias? Como é possível cobrar tão alto do povo por tão vergonhosos
serviços como se fossem favores?
É, mestre Chico, como sentimos falta das suas inquietações do passado! Que falta
sentimos daquelas expressões usadas em sua Carta ao seu Caro Amigo Boal! A Roda Viva continua a mesma... Pedro Pedreiro continua
esperando o trem... Enquanto não depositamos a nossa consciência nas urnas, só podemos fazer coro com você
naquela mesma canção que insiste em não terminar: “Como é difícil acordar calado, Se na
calada da noite eu me dano, Quero lançar um grito desumano, Que é uma maneira
de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa, Atordoado eu permaneço atento, Na
arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa”.
Quem sabe tenha chegado novamente o tempo do qual falou tão trágica e
poeticamente Geraldo Vandré: “Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo e nos sonhos que fui
sonhando, as visões se clareando, as visões se clareando, até que um dia
acordei!”. Já que Chico se inspirou em Jesus na canção CÁLICE, é de bom alvitre que façamos uso
da citação do apóstolo Paulo ao escrever à
comunidade de Éfeso: “Desperta, ó tu
que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará” Efésios 5.14.
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