quinta-feira, 20 de março de 2014

FORTALEZA E FRAGILIDADE
Pr. Raul Marques
 

 

 

Gosto muito de ler biografias de pessoas influentes, que deixaram legados importantes nas mais diversas áreas da vida. Aprendo muito. Sou um eterno aprendiz; isto me faz reconhecer o meu tamanho, diversidade e carências. É muito comum, apesar de não achar normal, que muita gente fique intrigada com o fato de ouvir dizer que o pastor fulano de tal está de férias... A ideia que se tem de um pastor de férias está diretamente ligada ao ócio, nunca ao descanso, à reposição de forças, a releitura de si mesmo, a também ouvir, enfim, parece que ele abandonou a Deus por uns dias... Ninguém indaga se ele está doente ou mesmo se está precisando que alguém lhe ouça; afinal, ele é pastor e pastor é o mais forte do rebanho... Santa ingenuidade!
Li recentemente numa rede social esta expressão atribuída a Spurgeon: "Cristãos temporários não são cristãos. Quem quer tirar férias desse serviço divino nunca entrou nele". Lembrei-me, então, da sua biografia que atesta o seguinte: “Por diversas ocasiões Spurgeon teve que se ausentar de seu púlpito por recomendação médica. Chegou a passar alguns períodos de férias na Europa, e depois de 1876, muitas vezes, sempre no fim do ano, se hospedava em Menton, Sul da França, pelo clima mais quente que na Inglaterra, por recomendação médica. Depois de 1887, foram cada vez mais constantes essas viagens, chegando a passar meses em retiro”. Caso a primeira expressão seja verdadeira, onde estaria a coerência deste “grande” conhecedor das Escrituras e, por conseguinte, do seu ofício pastoral? A sensatez recomenda-nos reconhecer que ele, afinal, também era de carne e osso, forte e frágil, santo e pecador. A sua biografia revele que este santo homem de Deus também sofreu grandes ataques de depressão, decorrentes das próprias lutas pastorais como, por exemplo, “quando um culto realizado em Surrey Garden foi organizado para cerca de 10.000, e devido a um tumulto provocado por um falso alarme de incêndio, levou a morte de seis pessoas” (Biografia de Carlos H. Spurgeon, por Alfredo S. Rodríguez y García, Cuba, 1930). “John Piper nos ajuda a entender um pouco da jornada e do desgaste pastoral: A maioria dos nossos irmãos não faz ideia do preço que se paga por duas ou três mensagens semanais em termos de exaustão espiritual e intelectual. Sem contar o esgotamento causado pelos sofrimentos familiares, as decisões da igreja, os dilemas morais e teológicos imponderáveis. Eu, por exemplo, não sou um poço artesiano, Meu cântaro se esvazia mesmo quando dele nada se verte. Meus ânimos não se revigoram na correria. A carência de tempo para a leitura tranquila e reflexão, além da urgência do preparo do sermão, reprime minha alma e, logo, o espectro da morte espiritual se manifesta. Poucas coisas me assustam mais que o início da esterilidade proveniente das responsabilidades desmedidas que mal permitem a nutrição espiritual e a meditação. (Piper, Irmãos, nós não somos profissionais, p. 81-2)”. Já que começamos citando uma possível expressão de Spurgeon, que tal concluirmos com uma importante lição dele relativa ao cuidado com a vida e os limites das ações pastorais? Assim nos ensina ele: “Se um homem for de natureza alegre como um pássaro, dificilmente poderá manter-se assim ano após ano contra esse processo suicida. Fará do seu escritório uma prisão e de seus livros carcereiros de um presídio, enquanto do lado de fora da sua janela a natureza acena-lhe com a vida saudável e chama-o para a alegria. Aquele que esquece o zumbir das abelhas na urze, o arrulho dos pombos selvagens na floresta, o canto dos pássaros no arvoredo, o ondular do regato por entre o junco, e os lamentos do vento entre os pinheiros, não tem por que se espantar caso o seu coração olvide cantar e sua alma fique pesarosa. Passar um dia respirando o ar fresco das montanhas, ou fazer uma excursão de algumas horas na umbrosa tranquilidade das copadas faias, servirá para varrer as teias de aranha das cabeças cheias de vincos dos nossos fatigados ministros que já andam meio mortos. Uma tragada de ar marinho, ou uma firme caminhada contra o vento, não dará graça à alma, que é o que há de melhor, mas dará oxigênio ao corpo, coisa que vem em segundo lugar” (Spurgeon, Lições aos meus alunos 2, p. 239-240).
Em Marcos 6.30-32, Jesus Cristo nos deixa uma lição tremendamente importante sobre o tema aqui enfocado: “Os apóstolos voltaram e, reunindo-se com Jesus, contaram-lhe tudo quanto tinham feito e ensinado. Havia tanta gente indo e vindo que Jesus e seus apóstolos não tinham tempo sequer para comer. Então Jesus lhes disse: — Venham comigo. Vamos sozinhos encontrar um lugar tranquilo para descansar um pouco. E eles partiram de barco, sozinhos, para um lugar sossegado”. Ah, como é bom e humano admitirmos a nossa força e fraqueza!

 

 

 

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