sábado, 28 de fevereiro de 2015

SACUDINDO O PÓ DAS SANDÁLIAS...
Pr. Raul Marques


“…se forem mal recebidos, saiam logo daquela cidade. E na saída sacudam o pó das suas sandálias, como sinal de protesto contra aquela gente” 
Lucas 9.5 - NTLH.


Confesso que hoje entendo muito melhor a recomendação que Jesus fez aos seus discípulos com relação àqueles por quem eles não fossem bem recebidos. Lembro-me das orientações dos meus pais cada vez que voltávamos do cemitério, do funeral de alguém: era preciso deixar os calçados fora de casa, expostos ao sol por algum tempo, até que se descontaminassem da terra neles trazida. O pó de um chão que rejeita a vida deve ser prontamente batido e sacudido de nós...
Quando Jesus comissionou os seus seguidores, foi incisivo quanto às possibilidades de aceitação e rejeição. Isto significa que a mensagem da salvação deve ser levada a todos indistintamente; porém, não quer dizer que se rejeitada, devamos comungar e compactuar jogando "pérolas aos porcos".
A expressão de "sacudir o pó das sandálias" tem uma extensão ainda maior se pensarmos que a rejeição àquilo de trazemos em nós da parte de Deus para ser compartilhado for evidenciada através de atitudes ou da ausência delas, sobretudo, se configurado com a indiferença ou a aceitação fingida.
Podemos "bater o pó das sandálias" também quando somos ignorados por quem um dia comeu no mesmo prato que nós; por quem covardemente nos vendeu por moedas sujas: traição, dissimulação e ambição... Por quem um dia caminhou do nosso lado sem que houvéssemos, sequer, desconfiado que nutríamos um inimigo voraz!
Devemos sim, "sacudir o pó das sandálias" quando, imbuídos dos mais nobres propósitos, formos ignorados nos nossos pleitos, quando do melhor que temos formos descartados como se nada tivéssemos a oferecer... Jesus Cristo, por exemplo, quando percebeu que a sua cidade o havia rejeitado,  conforme registra o evangelista Marcos, não foi capaz de realizar nenhum milagre ali, exceto a cura de uns poucos doentes.. Após o início de seu ministério, ele volta apenas duas vezes a Nazaré e em ambas as ocasiões é rejeitado pelos seus. 
Quantas vezes seremos obrigados a "sacudir a poeira das sandálias"? Quantas vezes seremos rejeitados como discípulos de Jesus? Quantas vezes precisaremos da perspicácia de Jesus para desviarmos o nosso pé dos abismos das relações interesseiras, do egoísmo camuflado, da inveja impiedosa, da acidez das línguas carregadas de censura, do baile de máscaras do inferno onde desfilam os lobos em peles de cordeiros? Este é um ato de protesto inteligente, silencioso e eficiente, afinal de contas, é isto mesmo que, com outras palavras, nos ensina o Salmo 1.1: "Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores". 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


A PEDAGOGIA DA ESPERANÇA
Pr. Raul Marques
 

"Esperei com paciência no SENHOR, e ele se inclinou para mim, e ouviu o meu clamor." Salmos 40:1


E

u sempre me pus profundamente maravilhado com o processo divinal que há na maternidade! É extraordinariamente encantador perceber os aparentes contrates das ações de Deus em toda a Sua criação! A fragilidade e candura da mulher são capazes de superar a dor nas mais diversas instâncias; a ingenuidade e inocência das crianças são capazes de enternecer os corações mais duros; o simples brilho das estrelas embevecem os olhares mais céticos; as quase imperceptíveis gotas da chuva transformam-se na imponência e força de rios e mares... Há toda uma pedagogia de Deus na criação.

A impaciência sempre foi inimiga das conquistas. Da dor lancinante do parto brota o sorriso vitorioso de uma longa espera. Há um tempo de ansiedade entre o plantio e a colheita. Há uma estrada a ser percorrida entre o sonho e sua realização. Com o tempo cada de nós aprende o valor e a necessidade da espera, por mais dolorosa e angustiante que ela se apresente.

O apóstolo Paulo compreendeu muito bem tudo isto quando, inspirado por Deus, declarou: “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência à experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” Romanos 5:1-5. Nunca é sem custo que aprendemos a esperar; não porque Deus exija isto de nós, mas a nossa natureza caída e rebelde não nos deixa relaxar na inquietude, a menos que permitamos a ação benfazeja do Espírito Santo em nossas vidas.

Ao longo da minha existência tenho aprendido – às vezes, a duras penas! – que a melhor alternativa em meio às tribulações e inquietações, é a espera paciente. Para quem não sabe nadar, quanto mais se debate com as águas, mais se aproxima da morte. Para quem não sabe a saída do labirinto de perturbações da existência, quanto mais se arvora a resolvê-las do seu modo, tanto mais difíceis serão as soluções.

Em decorrência destas coisas, vale a pena deter-nos na experiência do salmista quando, mesmo fatigado e cansado, exultou: “Esperei com paciência no SENHOR, e ele se inclinou para mim, e ouviu o meu clamor. Tirou-me dum lago horrível, dum charco de lodo, pôs os meus pés sobre uma rocha, firmou os meus passos. E pôs um novo cântico na minha boca, um hino ao nosso Deus; muitos o verão, e temerão, e confiarão no Senhor. Bem-aventurado o homem que põe no Senhor a sua confiança, e que não respeita os soberbos nem os que se desviam para a mentira” Salmos 40:1-4.

Embora saibamos que a jornada não é fácil e nem as soluções são simples, podemos confiar em Deus, agindo e vivendo pela fé, como nos ensina o profeta Isaías: “...mas aqueles que esperam no Senhor renovam as suas forças. Voam alto como águias; correm e não ficam exaustos, andam e não se cansam” Isaías 40:31.

 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

DISCIPLINA: "Não por força, mas pelo Espírito!"


Pr. Raul Marques


Eu logo aprendi desde que me converti que a vida cristã deve ser vivida à base do AMOR. Não daquele sentimento piegas através do qual a grande maioria tenta passar a ideia fantasiosa e malfadada de que "amor é tapinha nas costas" ou "aperto de mão", ou ainda, através da vazia verbalização de jargões da cultura dita "evangélica", que mais separam uns de outros do que promovem a verdadeira comunhão dos santos em Cristo.
Já ouvi algumas dezenas de vezes os fariseus externando suas opiniões - destilando o seu próprio veneno - sobre a leveza e candura com que trato os que, por qualquer infelicidade, se encontram atolados na areia movediça do pecado... Felizmente, não é por eles que baseio a minha fé e as minhas atitudes; como alguém que é também absolutamente dependente da GRAÇA DE DEUS, coloco os meus olhos e coração na direção do Mestre, Jesus Cristo.
A disciplina não tem por objetivo a execração e a humilhação das pessoas, pois este fardo o próprio pecado já lhes impõe. Ao contrário, ela busca corrigir, edificar, conscientizar e restaurar através, exclusivamente, do AMOR.
Vejamos, por exemplo, o caso particular de Pedro. Temperamento explosivo, cheio de atitudes impulsivas, apressado nas decisões e quase sempre sem a menor consciência delas. Mesmo tendo ciência de toda esta problemática comportamental de Pedro, Jesus não hesitou em chamá-lo para seguir na caminhada. Pedro demonstrou em diversas ocasiões um completo despreparo para lidar nos relacionamentos interpessoais e, sobretudo, nos relacionamentos com Jesus. Não obstante, o Mestre continuava junto dele tratando a sua mente e coração, preparando-o para situações futuras que iriam requerer dele perspicácia, sabedoria e, claro, AMOR.
Muito próximo do retorno de Jesus para junto do Pai, após a sua ressurreição, Ele chamou a Pedro e, didaticamente, colocou-lhe sob disciplina, usando o método seguinte:
- Simão, filho de João, você me ama mais do que a estes? Disse ele: "Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo". Disse-lhe Jesus: "Cuide dos meus cordeiros!".
Novamente Jesus lhe disse: "Simão, filho de João, você me ama?". Ele respondeu: "Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo!". Disse-lhe Jesus: "Pastoreie as minhas ovelhas!". Pela terceira vez, Ele lhe disse: "Simão, filho de João, você me ama?". Pedro ficou magoado por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez "Você me ama?", e lhe disse: "Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que eu te amo!". Disse-lhe Jesus: "Cuide das minhas ovelhas!" (João 21.15-17).
Jesus recomendou a Pedro que CUIDASSE dos Seus "cordeiros" e fizesse o pastoreio das Suas "ovelhas", isto é, o Mestre estava confiando ao Seu discípulo o mesmo AMOR que lhe dedicara.
A grande maioria, por ter um histórico de vida permeado de "castigos" domésticos, escolares e sociais, acredita que a verdadeira disciplina é aquela que machuca, que produz marcas físicas e psicológicas. Jesus, ao contrário, mostra-nos que, 1) Só amamos porque primeiro fomos amados; 2) Só perdoamos porque fomos perdoados; 3) Só somos restaurados porque Ele nos resgatou das trevas para a Sua maravilhosa Luz. A grande lição de disciplina para nós pecadores é o confronto entre nós e a nossa malignidade; é o olhar dentro dos nossos próprios olhos e descobrirmos conscientemente as marcas danosas que ela produz; é, por fim, amarmo-nos a nós mesmos para que sejamos capazes de produzir o amor compassivo, compreensivo, sem interesses escusos, semente produzida pelo fruto do AMOR DE DEUS, da Videira Verdadeira.

Não posso e não devo cuidar dos outros, senão do mesmo modo como o meu Senhor tem cuidado de mim: com o mais puro AMOR! A violência espiritual é a mais ridícula de todas as torturas! Quem não tem pecados ou precisa de restauração, que atire a primeira pedra. Antes, porém, "ouça o que o Espírito diz às Igrejas" - “Não por força e nem por violência, mas pelo Espírito!” (Zacarias 4.6).

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A POBREZA DE UM NATAL GLAMUROSO...
Pr. Raul Marques

A palavra presépio é derivada do Latim “PRAESEPIUM”, “estrebaria, curral, lugar para a guarda de animais”, formada por PRAE, “à frente”, mais SAEPES, “fechado, cercado”. O nascimento de Jesus, portanto, ocorreu numa estrebaria, neste lugar fechado e cercado, por ser a única opção dos seus pais, José e Maria, na hora mais tensa e nervosa do início de suas vidas. Logo em seguida, com uma fuga desesperada, a família teve que livrar-se da perseguição de Herodes, que intentava matar todos os recém nascidos no afã de eliminar qualquer possibilidade do cumprimento das profecias sobre o “Messias”.

Todas as circunstâncias do nascimento de Jesus foram temerárias! Céus e terra se moveram para a encarnação de Jesus, o Emmanuel – Deus conosco! Foi a materialização de predições muito antigas, realizada em seus mais delicados detalhes e com inconfundível perfeição! Na teologia cristã, o nascimento é a encarnação de Jesus como segundo Adão, a realização da vontade de Deus com o objetivo de desfazer o dano provocado pela queda do primeiro Adão.
A anunciação do nascimento de Jesus foi realizada de maneiras magnificamente significativas: primeiro, aos pais por emissários de Deus e, em seguida, aos campesinos pastores, gente simples que acolheu com temor e tremor a chegada do Messias.

Hoje, no entanto, o natal foi transformado num pobre evento comercial e publicitário, desprovido de todos os significados da fé cristã. As famílias se ajuntam muito mais por compromissos sociais e necessidade de diminuição da culpa pelas ausências no dia a dia dos parentes e amigos, do que pelas motivações espirituais que o fato requer.

Como não houve lugar para Jesus nascer em condições adequadas, foi parar numa estrebaria... Como não há espaço nos corações humanos, Ele nasce a cada dia como uma estrela solitária nos céus da nossa existência, aguardando continuamente a firmeza das nossas decisões, quiçá amalgamadas por conclusões coerentes entre o crer e o agir.

Para não vivenciarmos enganados com um natal miserável de significados, cuidemos de achar dentro de cada um de nós o Reino de Deus. Quem sabe Ele nasça na manjedoura dos nossos corações! 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

EU TENHO MEDO...
Pr. Raul Marques




          Quando criança eu tinha muitos medos! Medo das muitas águas; do escuro intenso; das portas fechadas com trancas; do “lobisomem”; do “velho do saco”; da “bruxa malvada”; enfim... Na medida em que fui crescendo outros medos foram sendo acrescentados: medo de matemática; medo das confusões e das multidões; medo de ser chamado ao quadro negro, etc. A grande maioria deles foi superada pela razão e pela maturidade; outros, no entanto...
           O medo é um sentimento profundamente complexo como a nossa própria existência! Ele é bom, enquanto sinal de alerta, e mal, se se tornar patológico. Ao longo da nossa vida outros medos vão se associando à caminhada e vão nos mostrando mais nítidas certas obscuridades... Eles nos ajudam na nossa proteção pessoal, ao mesmo tempo em que podem proteger as outras pessoas de nós...
           O medo não pode ser considerado um ato de covardia quando servir de motivação para o exílio contra as forças da impiedade! Ele pode, perfeitamente, se constituir no canal mais legítimo a nos levar aos “getsêmanis” em busca de paz.
Eu tenho medo do “homem”! Não é sem motivo que a Bíblia vaticina: “Maldito o homem que confia no homem, que faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jr 17. 5). Eu tenho medo dos “falsos irmãos”, de quem o apóstolo Paulo fez menção (II Cor 11.26). O apóstolo teve tanto receio deste aspecto que, angustiado, foi além: “agora vos escrevo para que não vos associeis com qualquer pessoa que, afirmando-se irmão, for imoral ou ganancioso, idólatra ou caluniador, embriagado ou estelionatário. Com pessoas assim não deveis, sequer, sentar-se para uma refeição” (I Coríntios 5.11).
        Tenho medo do que Jesus profetizou sobre esses fatos difíceis: “Naquele tempo muitos ficarão escandalizados, trairão e odiarão uns aos outros, e numerosos falsos profetas surgirão e enganarão a muitos. Devido ao aumento da maldade, o amor de muitos esfriará” Mateus 24.10-12. Tenho medo que as decepções resultem em apatia ou, ainda pior, em antipatia às atividades do exercício da fraternidade legítima, sobretudo, quando ouço a voz do Mestre a ressoar: “Quando, porém, vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” Lucas 18:8b.

         Tenho encontrado tanta gente ferida, enganada, desiludida e frágil com as deformadas relações cristãs, que falta-me o fôlego... Conheço líderes abandonados do mesmo modo como conheço ovelhas nanicas e desnutridas clamando por amor e acolhimento. Tenho medo do tempo em que vivo. Por isto, Senhor, tem misericórdia de todos nós! Tenho saudades dos medos de quando criança... Já não sinto aquele medo ingênuo do escuro da noite; tenho medo, muito medo, das densas trevas da mente e coração humanos...