sábado, 23 de janeiro de 2021

Nós, o fósforo e a vela...


Pr. Raul Marques

Vasculhando os meus alfarrábios encontrei uma ilustração que eu havia guardado desde a época em que fui seminarista, quando a usei numa redação em um dos períodos da disciplina "Português". Foi muito bom reavê-la, sobretudo porque tive saudades dos colegas, do professor, mas, igualmente por que ela me trouxe a uma realidade presente que, embora dura, é profundamente enriquecedora. A Bíblia nos ensina que "se a semente não morrer não pode germinar". Isto significa que tudo tem um tempo de vida; tudo tem um ciclo; tudo tem um propósito. Aliás, a Bíblia também nos ensina que há tempo para todo propósito debaixo do céu... Quando reli a fábula do Fósforo e a Vela logo vi luz jogada sobre minhas circunstâncias vivenciadas presentemente. O fósforo, para ser útil em dissipar as trevas, precisa que lhe esfreguem-no sobre uma lixa incendiária e, assim. brilhará até que vire um minúsculo carvão. Para continuar irradiando o seu brilho será necessário que, antes de perecer, ateie o seu fogo numa vela. A vela, por sua vez, será apenas um pequeno rolo de parafina com um pavio central, fria e sem brilho, até que lhe acendam e assim possa iluminar quantos estejam próximos dos seus raios de luz até que, finalmente, derretida complete o seu ciclo de vida, e outra vela seja posta em seu lugar para continuar brilhando.

Assim também é o ciclo de nossas vidas. Ninguém viverá eternamente sem que tenha vida própria. Para que o nosso brilho seja eterno é necessário que tenhamos em nós a fonte de vida eterna; e esta fonte é JESUS CRISTO. Por este motivo Ele disse: "Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim ainda que esteja morto, viverá" (João 11.25). Todos nós recebemos de Deus uma tarefa a cumprir e devemos fazê-lo com a consciência de que ela tem começo, meio e fim. Quantas vezes nos sentimos meio fósforosmeio velas? Se ainda desejamos que o nosso brilho repercuta, é preciso que acendamos outros fósforos que sejam capazes de acenderem outras velas, afinal de contas, disse-nos Jesus ao nosso respeito: "vós sóis a luz do mundo". Que o Senhor nos ajude a entender o início, o meio e o fim de cada uma das tarefas que nos foram confiadas, e cumpri-las com a dignidade do fósforo e da vela, ainda que tenhamos que perecer... Ainda que venhamos nos assemelhar a um minúsculo pedaço de carvão ou a uma gota de parafina derretida... Mais importante será que tenhamos cumprido a nossa parte de modo a ouvirmos do Senhor: “bem está, servo bom e fiel; sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor” Mateus 25.21.

 


quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

 FRENTE E VERSO DO BORDADO EXISTENCIAL

 Pr. Raul Marques



Quase nunca prestamos atenção na parte de trás de um bordado. À primeira vista toda tela é impecável! Invariavelmente, somos tentados a concluir que todo livro que traz uma boa capa é um excelente livro... Até declaramos poética e equivocadamente que “aquilo que os olhos não vêm, o coração não sente...”.
Lembro-me, perfeitamente, que em anos já distantes, vi muitas vezes mulheres esmeradas cuidando de bordados elaborados em um tecido esticado à base de duas argolas de madeira, com agulha e linhas de diversas cores, num entra e sai repetitivo que findava por trazer à vista belíssimas decorações e desenhos os mais variados e profundamente complexos! É tudo mais ou menos semelhante a um edifício concluído e irretocavelmente bem acabado, que não deixa à mostra vigas com excesso de cimento, pontas de ferro, arames, pedaços de gesso, fios e tubulações tão feias, porém, tão calculadamente postos...Ao recordar-me daqueles bordados, lembrei-me de pronto, que eles sempre tinham o avesso muito enfeado por um emaranhado de linhas que não mostravam quase nenhuma conexão e muito menos beleza... O verso do bordado era, por assim dizer, desprezível! Tinha razão, portanto, o filósofo Platão ao afirmar que nada do que vemos é real, apenas a sombra ou a aparência retratada do modo ideal.


Há um adágio popular que afirma: “Nem tudo o que reluz é ouro!”. Quem jamais ousou afirmar, por exemplo, que a Mona Lisa sorri de satisfação ou timidez? Qualquer conclusão é meramente especulativa e pessoal. Por trás daquela expressão há um enigmático sentimento; da modelo ou do artista...
Há tanta gente que se parece com este protótipo! Muitos de nós têm tentado viver para vender uma imagem instigante de si mesmos quando, na verdade, o esforço maior é o de esconder o emaranhado de linhas desconexas do bordado existencial! A policromia dos carretéis é gasta na tentativa de melhorar a avaliação externa do bordado do caráter; a agulha que atravessa o tecido da personalidade não consegue esconder os nós e pedaços de linha que interrompem a tessitura do bordado...


Na Bíblia, pela boca de Jesus, encontramos uma similaridade deste quadro: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia” Mateus 23:27. Nunca devemos avaliar as pessoas e as situações, simplesmente pelas partes exteriores, senão correremos sempre o risco de deixar de ver o que está por dentro ou por trás... Tem misericórdia de nós, Senhor, e cuida do bordado da nossa existência!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

 RECOMEÇO


Pr. Raul Marques

 

              Alguém já disse que “um ponto final é apenas o inicio de um novo parágrafo”. Sim, sem dúvidas, embora às vezes o ponto final poderá significar o desfecho de toda uma história que acaba de ser contada...

             Rasgamos a última folhinha do calendário do ano, mas ao lado dele já avistamos a página inicial de um novo marcador de novos dias e meses de mais um novo, como alguém gritando a plenos pulmões no megafone da existência: “Continue! O tempo ainda não parou pra você!”. Como diria o profeta: “Conheçamos e prossigamos em conhecer o Senhor!” (Oséias 6.3). A vida é encantadora também por este aspecto: ela se recicla, se renova, enfim, recomeça...

          Tivemos um ano que passou absolutamente marcado pelos sobressaltos, pelo medo, pela incerteza, pelas perdas irreparáveis e de dados absurdos, como: mais de 83.527.738 casos registrados no mundo de infectados pela COVID-19, dos quais 47.109.370 foram recuperados e, infelizmente, 1.819.905 morreram, com recorde de 15.518 pessoas num só dia, segundo a universidade Johns Hopkins.

            O mundo inteiro parou. Daí, inevitavelmente, algumas reflexões devem ser feitas: Por que desaceleramos tão bruscamente? O que estamos fazendo com o tempo que dizíamos não ter? Por que, de repente, a família passou a ter uma importância tamanha? Por que descobrimos, finalmente, o nosso lado mais podre: o individualismo, e passamos a sentir tanto a falta do abraço, do aperto de mãos, o valor do sorriso escancarado? Por que foi preciso a orientalização do costume do uso da “quase burca”, a máscara, como que a esconder o nosso rosto da vergonha da falta de solidariedade humana? Por que, de repente, os lares passaram a ser o lugar menos perigoso do planeta? Por que será que fomos tão abruptamente arrancados dos braços dos nossos entes mais queridos? Por que a solidão do isolamento tornou-se um fardo pesado se já o praticávamos egoisticamente e sem a menor explicação racional?

          Rapidamente tivemos que suportar a dor dos “ilhados”. Tivemos que buscar pelo próximo ainda que fosse somente saindo na sacada, indo até o meio do caminho, mantendo a distância... Tivemos a necessidade de cumprimentos ainda que fossem por telefones, vídeos, cartazes... Fomos forçados por um meio invisível a entender o individualismo quando já o praticávamos quando tínhamos total liberdade de ir e vir e nos omitíamos... Quando, na verdade, tudo isto voltará ao normal? Mas, afinal, que normal? Quem disse que a forma como vivíamos era normal? A maior e mais profunda mutação que está se revelando não é a do vírus, mas a nossa! Mudamos tão profundamente a nossa forma de viver e de pensar que o outro, o próximo, já não fazia parte do nosso espetáculo; nós éramos as estrelas em constelações ilhadas e perdidas num infinito coberto de efemeridades e despropósitos!

          Deus nos concedeu um RECOMEÇO, por isto mesmo estamos aqui agora! O que iremos fazer daqui por diante? Que sentido daremos às nossas vidas? O que faremos com a nossa capacidade de amar o próximo como a nós mesmos? Será que daremos lugar a Deus na nossa vida, no nosso quarto, na nossa mesa?

          Porque há esperança para a árvore que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e o seu tronco morrer no pó, ao cheiro das águas brotará, e dará ramos como uma planta(Jó 14:7-9). É tempo de recomeçar, façamo-lo da maneira certa! Deixemos de lado a nossa arrogância e planos escusos, de maneira que o Senhor tome a direção das nossas vidas e nos leve às águas de descanso! Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós!