segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ANJOS E DEMÔNIOS

Pr. Raul Marques

Ultimamente a gente não sabe mais definir o que é pior de ver: se os reality shows das TVs, que rendem milhões de reais, ou se os shows reais da política nacional, que rendem milhões de votos... O certo é que, tanto em uns quanto em outros, o povo continua sendo a parte mais utilitária da questão.

Por um lado, uma das emissoras de televisão que mais crescem no país, e que tem no seu nascedouro a marca do “cifrão evangélico”, leva ao ar uma dessas obras primas da coisificação e da banalização da intimidade das pessoas, onde o país assiste boquiaberto um festival de palavrões que empobrecem a mídia e prestam um enorme desserviço à cultura nacional. De outro, uma guerra eletrônica sem precedentes, onde as classes emergentes se deslumbram com as “verdades” eleitoreiras de vários candidatos que, inteligentemente, põem o povo para se digladiar consigo mesmo sob a subjacente alegação de que está mais maduro e que, portanto, já sabe votar e escolher livremente (?).

Nunca recebi tantos emails com o tema da política brasileira quanto agora. E o que é pior: gente que nunca foi vista se expondo por causa do Reino de Deus, expondo-se até moralmente em favor deste ou daquele candidato, supondo que está sendo instrumento de Deus como formador de opinião política. E nesta peleja enfadonha e renhida, o povo de Deus vai se dividindo e cerrando fileiras uns contra os outros. Enquanto isso, os políticos continuarão fazendo as suas alianças nos bastidores, e o povo voltando à sua cavernosa realidade depois das urnas.

Lamento que muitos estejam tomando partido com base na indústria da informação, supondo que quem os informa está absolutamente isento das maracutaias de uns e de outros. Lamento que muitos estejam se enganando tomando aqueles demônios de ontem como anjos de hoje. Lamento ter visto e ouvido a mudança nos discursos de uns e de outros com vistas nos quase 20 milhões de votos que provocaram o segundo turno. Lamento, sobretudo, que tantos se iludam com uns e outros que invocam o nome de Deus para hipnotizar e anestesiar o seu povo.

Jesus Cristo também vivenciou experiências políticas no seu tempo sendo, inclusive, vitima dela. O único partido, no entanto, no qual Jesus se envolveu foi o partido do povo, para quem a sua mensagem sempre foi muito clara: Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça Mt 6.33. Temo que depois de todo esse embaraço político muita gente saia machucada, frustrada e dividida. Espero que no grande espetáculo eleitoral brasileiro, cujos protagonistas ora são anjos, ora são demônios, o nosso ingresso não esteja sendo pago com o mesmo preço dos reality shows: a inocência de milhões e milhões de telespectadores. Que Deus tenha misericórdia de todos nós!

sábado, 2 de outubro de 2010

AGORA EU SEI...


Pr. Raul Marques


Eu vivi a vida me alimentando da música, da poesia, e das artes em geral. Os meus amigos na adolescência e juventude tinham a mesma avidez pelas expressões artísticas e, por isto mesmo, até hoje não me canso de aprender a cada dia com as mais diversas manifestações culturais: repente, cordel, folclore, música erudita ou popular, pintura, escultura, cinema, teatro, enfim, tudo o que faça emergir novas idéias, novos talentos, e seja capaz de conspirar para novas criações. Muitas vezes imaginamos que quanto mais difícil for a interpretação de uma obra, tanto mais rica e mais elaborada terá sido a sua mensagem. Certamente que não é bem assim. Nem sempre o mais sofisticado é o melhor; nem sempre o mais requintado tem o melhor conteúdo. Como as artes, assim são também as pessoas; muitas vezes as mais simples e com menos aparência, são as mais ricas e profundas ao transmitirem as suas mensagens. Apesar de saber que dá muito trabalho interpretar pessoas, não posso negar que sou profundamente fascinado pelo universo da compreensão dos sentimentos humanos.

Lembrei-me agora de uma canção de Roberto Carlos, que de tão singela e tão ingênua, estampa-nos uma mensagem ao mesmo tempo tão rica e adulta que é capaz de nos remeter a uma reflexão indispensável: “Mas, agora eu sei o que aconteceu: quem sabe menos das coisas, sabe muito mais que eu!”. Temos a falsa impressão de que o nosso academicismo nos eleva a patamares tão altos que nos esquecemos de pensar as coisas mais simples, as pessoas mais humildes, de freqüentar os lugares mais toscos, de ler os livros menos lidos, ouvir as canções menos recomendadas, etc. Quando, no entanto, passamos a conviver com as coisas e as pessoas do mundo mais real, temos a grata surpresa de entender que somos aprendizes agora como sempre fomos. Nenhum saber é por si mesmo tão importante que não sejamos capazes de reconhecer que precisamos aprender sempre mais. Aprender, não para sobrepujar, mas, para compartilhar. Aprender para compreender que todos têm algo a ensinar e muito a aprender.

Agora eu sei porque Jesus Cristo, com tanta sabedoria, tanto poder, tanta eloqüência e tanta visibilidade, vivia fascinado pelas multidões de pessoas mais simples, carentes, porém, mais verdadeiras. Agora eu sei a profundidade da riqueza dos seus ensinos articulados através do Sermão do Monte. Obrigado, Senhor, por me fazer entender tudo isto, pois, “agora eu sei: quem sabe menos das coisas, sabe muito mais que eu”.

CICATRIZES...


Pr. Raul Marques

Toda maldade produz cicatrizes. Toda ferida pode, com o tempo, cicatrizar. Todas as marcas deixadas, porém, são partes da história de cada um e muito dificilmente não nos trarão a lume os seus significados. Não podemos dizer que nunca deixaremos de lembrar a intensidade da dor que produziram aquelas marcas. Lembraremos sim, pois elas estão ali, na pele, tatuadas e prontas a responder com o silêncio a profundidade e o significado da sua existência. Entretanto, são elas também que sinalizam pra nós, que são cicatrizes presentes de uma dor passada...

O intenso sofrimento de Jesus Cristo marcou o seu corpo e a sua alma tão profundamente que não seria razoável supor que não houvessem deixado sinais. É claro que Jesus perdoou os seus algozes; Ele se expressou a respeito disso em meio ao seu desvairado sofrimento: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” Lucas 23.34; no entanto, tivesse Jesus permanecido entre nós vivenciando por muitos anos a crueldade do nosso coração, certamente que todos veriam as suas cicatrizes expostas apontando para um martírio vivido. Um grande exemplo disto está estampado no diálogo que Jesus teve com Tomé. As marcas em Jesus ao serem tocadas por Tomé tiveram o poder de transmitir-lhe verdade, perdão e muito amor.

As cicatrizes podem ser ao mesmo tempo a prova do sofrimento e a marca da necessidade do perdão. Se olharmos para as nossas cicatrizes com sofrimento e ódio, certamente estaremos alimentando a sangria em feridas que teimarão em não sarar. Por outro lado, se fitamos as nossas marcas como sinais da possibilidade do perdão e da felicidade anelada, não podemos negar a óbvia presença do Espírito Santo de Deus em nossas vidas, ajudando-nos a entender que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus; daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Todos nós temos algumas cicatrizes. Importa-nos saber o que fazemos delas; com que motivação elas se evidenciam em nós. O que será que elas tendem a nos lembrar? É bom não esquecermos a recomendação bíblica: “a boca fala do que está cheio o coração” (Lc 6.45).

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ALMAS DESNUTRIDAS


Pr. Raul Marques

O comportamento dos homens na sociedade moderna tem produzido ao mesmo tempo: avanço tecnológico, acúmulo de riquezas concentradas e pessoas doentes da alma e do coração. A idéia de um mundo globalizado e capitalista tem avançado a passos tão largos que não se vislumbra uma nova direção para as nações da terra que não passe necessariamente por guerras cada vez mais renhidas e odiosas. Parece não haver mais espaço para os simples, para os fracos, para os pobres, para as minorias e, sobretudo, para manifestações que advenham da fé; não de uma fé manipulada e utilitária, mas, de uma atitude de confiança plena no único poder superlativo: o de Deus, Criador e Mantenedor da vida, causa e conseqüência de tudo o que existe.

O caos social nas cidades tem sido a radiografia mais eloqüente nos noticiários. A violência tem sido a novela cotidiana das nossas famílias. As escolas têm se tornado a praça onde se distribuem drogas e camisinhas para uma juventude que não sabe pensar e nem agir, visto que adora ídolos cujas almas estão desnutridas, e, portanto, vivem a anorexia interior e o vazio doentio. As doenças proliferam e o mal parece vencer o bem... Há muitas vidas que não esboçam mais nenhuma reação aos fracassos diários; se tornaram incapazes de tomar o timão do navio de suas vidas, e, deixando-o à deriva, apenas assistem o seu naufrágio. Há muitas vidas que ancoraram no mar da solidão e do auto desprezo, e não acreditam mais que novos ventos possam abanar as suas Velas e levá-las por mares nunca dantes navegados.

Aquilo que o mundo mais despreza é, sem dúvida, aquilo de que ele mais necessita: Deus. Foi Ele mesmo que “amou o mundo de tal maneira, que deu o filho unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna” João 3.16. Foi exatamente este Filho que afirmou: Eu sou o pão da vida, o que vem a Mim, jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.” João 6:35. A desnutrição da alma humana só tem cura quando alimentada por este pão incontaminado; só saciará a sua sede de vida quando provar desta água vinda de fontes sobrenaturais.

As nossas famílias têm recebido os ataques mais violentos de que se tem notícia. Delas tem sido roubado o tempo de dialogar com Deus. Delas tem sido subtraído o prazer da comunhão. Delas tem sido aniquilada a esperança, restando-lhes a aridez dos desertos da convivência e a presença nefasta dos prazeres fugazes e da carência de afetos verdadeiros, produzindo a mais completa desnutrição da alma e a miséria nos corações em escombros.