sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

COMO BEBER DESSA BEBIDA AMARGA?
Pr. Raul Marques


“Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, engolir a labuta... (?)”

Depois de mencionar um trecho da fala de Jesus nas Escrituras, Chico Buarque de Holanda faz esta instigante pergunta, levado por sua imersão numa experiência de sofrimento plural, dele e do povo, na busca de uma solução para a inquietação de sofrerem calados... Jesus Cristo é comparado nas Escrituras àquela ovelha que segue “muda para o matadouro”. Ele passou primeiro por esta experiência de ter que beber dessa bebida amarga! Ele passou por este sentimento angustiante de uma impotência quase absoluta diante das circunstâncias.
Quantos de nós vivemos esta asfixia existencial? Quantos não estão, como nós, mergulhados num tremedal de lama de uma sociedade injusta, corrupta e imoral? Quantos têm vivido como zumbis, insones, numa existência mecânica e fora de controle? Quantos estão se fazendo esta mesma pergunta: “Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, e engolir a labuta?”. 
Por que “a Lei” pode ser tão rigorosamente aplicada para punição das classes inferiorizadas e tão vergonhosamente submetida aos caprichos de engenhosos artifícios jurídicos para aqueles que caçoam e ridicularizam a sociedade, em favor daqueles que escandalosamente se encontram arrolados como ladrões?
Como beber dessa bebida amarga? Como é possível à grande massa da população viver com míseros reais, enquanto alguns poucos (pouquíssimos!) se cotizam com milhões (?) para cerrarem as grades dos mais de “40 ladrões” à guisa escrupulosa de um “Ali Babá”? Como é possível querer animar o “circo” com foliões e torcedores num teatro armado para o grande banquete político? Como é possível querer tapar o sol com uma peneira? Como é possível esconder a nossa miséria e caos sociais à custa de portentosas campanhas publicitárias? Como é possível cobrar tão alto do povo por tão vergonhosos serviços como se fossem favores?
É, mestre Chico, como sentimos falta das suas inquietações do passado! Que falta sentimos daquelas expressões usadas em sua Carta ao seu Caro Amigo Boal! A Roda Viva continua a mesma... Pedro Pedreiro continua esperando o trem... Enquanto não depositamos a nossa consciência nas urnas, só podemos fazer coro com você naquela mesma canção que insiste em não terminar: “Como é difícil acordar calado, Se na calada da noite eu me dano, Quero lançar um grito desumano, Que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa, Atordoado eu permaneço atento, Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa”.

Quem sabe tenha chegado novamente o tempo do qual falou tão trágica e poeticamente Geraldo Vandré: Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo e nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando, as visões se clareando, até que um dia acordei!”. Já que Chico se inspirou em Jesus na canção CÁLICE, é de bom alvitre que façamos uso da citação do apóstolo Paulo ao escrever à comunidade de Éfeso: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará” Efésios 5.14.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

VIVENDO E APRENDENDO...
Pr. Raul Marques




Lembrei-me inesperadamente de uma composição de Guilherme Arantes com este título, gravada em 1981 por Elis Regina, que me trouxe à baila as nossas experiências diárias de perdas e ganhos... É quase inacreditável que existam certas coisas que precisamos perder para que sintamos o ganho obtido!
Alguém já disse que o mundo é uma escola, e nele, só aprendemos vivendo; isto é, você só não pode prescindir das lições diárias até que chegue à prova final. Pode até soar estranho, mas viver é participar de um jogo onde, inevitavelmente, teremos ganhadores e perdedores, sempre em tons circunstanciais, nunca perenes. Viver é arriscar-se! É preciso ter coragem para aprender. É preciso cair para sentir o peso da necessidade de se manter de pé! Tim Maia disse em uma de suas canções que “Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri”; circunstancialmente, sim, pois no carrossel da vida nunca nos encontramos no mesmo ponto...
Aprendemos muito mais sobre o perdão quando somos sufocados pela ira. Aprendemos mais sobre o prazer das companhias quando ficamos sós. Aprendemos sempre mais sobre amizade e franqueza com as traições e as mentiras. Aprendemos a viver com maestria quando conhecemos melhor as regras do jogo. Temos mais destreza e perspicácia quando somos passados por lerdos e ingênuos...
Aprendemos que os pássaros gostam muito mais de bicar frutos maduros! Com o tempo aprendemos que não é correndo que se chega lá, mas, nunca desistindo de prosseguir. Aprendemos que não é o que os outros pensam de nós que vale a pena, mas, o que conhecemos verdadeiramente ao nosso respeito. O excepcional tom de voz de Elis Regina realça o bem elaborado texto de Guilherme Arantes, ao afirmar: “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar”.  Afinal, é isto mesmo o que importa: viver aprendendo.

Como disse Paulo Freire, somos constantes “aprendentes”. Aliás, ele disse muito mais: “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. Não aprendemos nada quando impomos “o conhecer”; aprendemos mesmo quando, cônscios, reconhecemos: “Só sei que nada sei!”. “Para Sócrates, sábio é aquele que reconhece os limites da própria ignorância. Por isso, raramente encontramos pessoas sábias, pois vivemos em um mundo que todos pensam que sabem tudo e enxergam a ignorância como burrice. Mas burrice é quando estamos fechados e cegos a um determinado conhecimento, assim não o questionamos e logo nos encontramos presos a algo que "achamos" saber. É de um simples carpinteiro de uma cidadela longínqua e sem expressão, de um passado remoto, que sorvemos tão sábias palavras: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11:29). Nunca o ato de perder teve tanto sentido de vitória! Ele morreu para que tivéssemos vida e vida em abundância!

domingo, 9 de fevereiro de 2014

A BENGALA
Pr. Raul Marques

Lendo recentemente um artigo sobre reumatologia, deparei-me com este trecho sobre o uso da bengala, que me chamou a atenção para relacioná-lo a outros aspectos da vida em geral, mais especificamente com relação à fé ou, pelo menos, à nossa relação com o divino: “O momento para a indicação de uma bengala, de acordo com o reumatologista Ricardo Fuller, membro da Comissão de Osteoartrite da SBR, deve ser definido por um médico ou fisioterapeuta e ocorre quando o paciente apresenta limitações ou dor quando caminha, perda do equilíbrio e quedas frequentes”.
De pronto me veio à mente uma gama de outras utilizações que se fazem deste instrumento, às vezes invisível e fora do contexto próprio... Quantas pessoas fazem uso de “bengalas” sociais? Quantas se utilizam de “bengalas” espirituais? Para a reumatologia e/ou fisioterapia a bengala é extremamente positiva, sobretudo porque auxilia o apoio e à mobilidade daqueles que, ou estão com limitações motoras por acidentes, ou por causa da avançada idade. Entretanto, é perfeitamente possível perceber que há muitos que fazem uso de “bengalas” para camuflar um amparo às suas limitações e deficiências morais. Quantas pessoas buscam a “igreja” porque vêm nela a sua perfeita “bengala”? Quantas buscam entrar na multidão do “tanque de Betesda” porque esperam encontrar ali uma “bengala” espiritual? Para estes, a “bengala” está travestida de um “anjo” que descerá para mover as águas... Quantos, como Nicodemos, um fariseu, mestre na teologia, referência da religiosidade de sua época, se apoiam numa “bengala” para questionar a Jesus? Quantos sustentam a “bengala” da hipocrisia tão somente para se passarem por amigos e companheiros quando, na verdade, são inimigos e traidores, tal como Judas Escariotes?
“Nos tempos imperiais do século XIX, no Rio de Janeiro, as famílias fidalgas tiveram mais oportunidades de frequentar bailes, espetáculos de teatro, comemorações do calendário oficial da Coroa e as famosas cerimônias do “beija-mão” – já arcaicas no restante da Europa, mas preservadas pelos portugueses. Nestas ocasiões, os senhores mais abastados podiam exibir em público seus fraques, cartolas, bengalas e camisas de seda”. Nota-se que neste contexto as “bengalas” eram expressão de glamour, ainda que muitos que delas faziam uso estivessem em queda financeira ou fraqueza política, como no caso da realeza portuguesa ao chegar ao Brasil.
Que tipos de “bengalas” são mais percebidas hoje? A “bengala” falaciosa da ascensão das classes sociais; do engodo da mudança repentina de crenças e dogmas seculares; dos “Pilatos” modernos que aderiram a Jesus; dos “Herodes” com posturas piedosas; dos “Barrabás” que se amparam nas multidões incautas e conseguem condenar os “justos”; dos que pensam possuir procuração de Jesus para representá-lo e dele recebem a seguinte interpretação: “Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos” Apocalipse 2:2.
As nossas fraquezas não podem ser amparadas por “bengalas” espirituais. A única maneira de termos firmes os nossos passos é a ROCHA, que é Jesus, o nosso único apoio real!